Igreja de S.
Domingos - S. Gonçalo - Amarante
Fotografias de
Anabela Matias de Magalhães
19ª Aula - O Barroco - A Aula do Professor Miguel
Moreira
É com imensa alegria que hoje publico a Aula do Professor Miguel Moreira subordinada ao tema "O Barroco".
É com imensa alegria que hoje publico a Aula do Professor Miguel Moreira subordinada ao tema "O Barroco".
Agradecida, Miguel Moreira, por aceitares os meus desafios. O círculo, este, está agora fechado. Mas nós somos capazes de desenhar outros...
O BARROCO
Toda a
expressão artística é reflexo das dinâmicas sociais e um produto mental e
cultural da época histórica em que surge. O Barroco não é exceção. Iniciada nos
finais do século XVI e desenvolvida ao longo dos séculos XVII e XVIII, a arte
barroca surge num ambiente dominado pela consolidação das grandes monarquias
absolutas, pelo movimento da contrarreforma da Igreja Católica e num mundo
abalado por todo o tipo de guerras, epidemias e convulsões sociais. Neste
contexto, o barroco é aproveitado tanto pelos monarcas absolutistas para
valorizarem a sua imagem e ostentarem o seu poder, mandando construir imponentes
e luxuosas cortes, como pela Igreja Católica empenhada em seduzir os crentes
que, sobretudo nos países nórdicos, aderiam em massa ao protestantismo. A arte
é, desta forma, instrumentalizada e manipulada, por papas e reis, com o objetivo
de persuadir, deslumbrar e seduzir.
Nascido em Itália, nos finais do século XVI,
a partir de formas maneiristas, o Barroco rapidamente se espalhou a todos os
países da Europa do sul, atingindo, também, as colónias espanholas e portuguesas
da América Latina e do sul da Ásia.
Roma,
sede do Papado, representava, também, o triunfo do catolicismo face à Reforma
Protestante. Com esse objetivo, o Papa Sisto V (1585-1590) criou uma
cidade-espetáculo na qual a linguagem barroca respondia plenamente aos desígnios
do poder papal e das orientações tridentinas. Com intervenções de arquitetos
como Bernini e Barromini, as novas construções, distantes da ordem, do
equilíbrio e da regularidade da composição renascentista, experimentavam jogos
de massas e de espaços, formas onduladas e dinâmicas e uma decoração exuberante
e cenográfica, com o único propósito de deslumbrar o observador e despertar-lhe
fortes impactos emocionais.
Apesar
das diferentes interpretações que se verificaram nos diferentes países e
regiões, determinadas por diferentes contextos políticos, religiosos e
culturais, este estilo apresentou algumas características comuns. Assim, os
arquitetos barrocos, entendendo o edifício de forma integrada, como se fosse uma
grande escultura, única e indivisível, davam preferência às linhas curvas, em
formas côncavas ou convexas, explorando os efeitos contrastantes de luz e de
sombra, na procura do movimento e do infinito. Os portais, normalmente divididos
por andares, com as suas colunas torsas ou pseudo-salomónicas, os contrastes
entre cheios e vazios, os entablamentos interrompidos e irregulares, as imagens
inseridas nos seus nichos, os frontões de linhas curvas e uma decoração
exuberante, eram pensados e construídos no quadro de uma vivência e de uma
sensibilidade vocacionadas para a teatralidade, capazes de atrair pelo olhar, de
persuadir pela beleza, de emocionar e de envolver os fiéis.
Mas
foi nos interiores que o barroco mais impressionou. O Barroco, numa espécie de
“horror pelo vazio”, cobriu os interiores de frescos, de telas, de mármores
policromados, de esculturas, de retábulos e de talha dourada, contribuindo desta
forma para a profusão da cor e para o prazer dos sentidos.
Ora,
foi precisamente a talha dourada a mais genuína e característica arte do Barroco
em Portugal. Muito prolixa e exuberante, a talha revestiu altares, paredes,
tetos, órgãos, púlpitos, cadeirais, balaustradas, arcos, frisos, cornijas,
janelas e sanefas. A talha “forrou de ouro” as igrejas. E, “Se a Igreja é a imagem do Céu sobre a
Terra, como não ornamenta-la com o que há de mais precioso?” pergunta René
Huyghe, em “Sentido e Destino da
Arte”.
A
talha dourada é uma técnica escultórica em que a madeira é esculpida e,
posteriormente, revestida por uma fina película de ouro. A sua execução
implicava a participação de vários artistas: o arquiteto, que fazia o desenho, o
entalhador, que esculpia a madeira, o ensamblador, que preparava a madeira para
receber o ouro e, por fim, o dourador, que aplicava o ouro.
Depois
de concluídas, as obras de talha dourada, sobretudo os retábulos, codificam uma
linguagem simbólica e alegórica que ultrapassa a sua função meramente decorativa
ou cenográfica e assumem um papel ativo na interação com o observador. Nesta
pedagogia formal e cenográfica, o brilho e a cor do ouro desempenhavam um papel
determinante, não só pelo seu impacto visual, mas especialmente pelo seu
simbolismo, pois imprimiam essência divina ao espaço, numa espécie de
prefiguração da esfera celestial. Um apelo mais aos meios de perceção sensorial,
imaginativa e afetiva dos fiéis, do que às suas faculdades intelectuais,
procurando, assim, através da eloquência das formas e das cores, envolver e
persuadir sensorial e emocionalmente os fiéis, sobretudo as massas
populares.
Na
evolução da talha portuguesa, podemos distinguir três fases:
O
Estilo Nacional, com retábulos compostos de uma tribuna com o seu trono
piramidal, ladeado por colunas pseudo-salomónicas de fuste espiralado que
sustentam arcos concêntricos. Como motivos ornamentais, quase de vulto perfeito,
apresentam-se folhas de videira e cachos de uvas (alusão à Eucaristia), meninos
e querubins, pequenos pássaros (fénix, símbolo da ressurreição) e folhas de
acanto. Dos lados, a composição é rematada por pilastras, mísulas e outros
elementos que enfatizam a estrutura retabular.
O
Estilo Joanino (a talha atinge o seu apogeu na época de D. João V), com
retábulos mais elevados, baldaquinos que substituem os arcos concêntricos e
colunas salomónicas. O trono mantém o lugar cimeiro, agora tratado com mais
aparato. A decoração inclui novos elementos: grinaldas, palmas, conchas,
medalhões, festões, volutas com cabeças de querubins e figuras angélicas ou
alegóricas. Para o esquema teatral muito contribuem as imagens inseridas nos
seus nichos, os atlantes na base dos retábulos, cortinados nos remates puxados
por anjos, sanefas que coroam o arco cruzeiro.
O
Estilo Rocaille ou Rococó, termo de origem francesa que designava um tipo de
ornamentação inspirada nas fontes e grutas artificiais dos jardins, baseada na
imitação de rochas, conchas, flores e outros elementos naturais. Na talha, a sua
linguagem decorativa é feita por formas flamejantes, folhas estilizadas, curvas
e contracurvas, enlaçamentos de volutas, ornatos complicados e de grande
requinte, inseridos num fundo com cores esbatidas a lembrar influências
orientais.
Mas o
Barroco não foi apenas um estilo arquitetónico. Ele influenciou transversalmente
todas as formas de expressão artística e cultural da sua época: a escultura, a
pintura, o mobiliário, a literatura, a música, a dança…
A
escultura, associada à arquitetura ou à pintura, colocada isoladamente em praças
e jardins, invadiu tudo, encontrando-se por todo o lado. Caracteriza-se pelo
rigor da execução técnica, pela exploração das capacidades expressivas das
personagens ou cenas, conseguida pela acentuação dos gestos e das expressões
faciais e corporais, pela preferência de representações em movimento, pela
utilização de panejamentos volumosos, agitados e decompostos, e pelo sentido
cénico das obras.
Tal
como a arquitetura e a escultura, também a pintura teve como objetivo o
deslumbramento, a surpresa, a encenação e a luz, integrando um “espetáculo” que
se queria total. A pintura barroca jogou com as formas fluidas e ondulantes,
aplicou um animado cromatismo e acentuou os contrastes de luz e sombra,
aumentando a sensação de realismo. Acentuou, ainda, a sensação de profundidade,
sobretudo com a técnica “trompe
l’oeil”, aplicada em paredes e tetos, o que constitui uma das mais originais
contribuições do Barroco.
A
literatura barroca dedicou um profundo cuidado à forma e ao virtuosismo
linguístico no intuito de maravilhar e convencer o leitor, com o uso constante
de figuras de linguagem e outros artifícios retóricos, como a metáfora, a
elipse, a antítese, o paradoxo e a hipérbole, com grande atenção ao detalhe e à
ornamentação como partes essenciais do discurso e como formas de demonstrar
erudição e bom gosto.
Expressão, por excelência, dos sentidos e das emoções intensas, foi na
música, no teatro e na ópera que a cultura barroca alcançou todo o seu
esplendor. O gosto pelo espetáculo, pela cenografia, pela sumptuosidade dos
figurantes, pela associação da música com a dança, com o canto e com a
representação dramática deram origem a um género musical tipicamente novo – a
ópera.
Concluindo, o Barroco foi, por excelência, uma arte de imagens, uma arte
de cenografia, no qual todas as expressões artísticas concorrem para um único
objetivo: produzir espetáculo.
Miguel
Moreira, Abril de 2013
Nota - Esta aula foi inicialmente publicada no meu outro blogue intitulado "História em Movimento".
Acrescento um vídeo que faz uma excelente síntese sobre o Barroco. Está em espanhol, o que para as turmas que aprendem esta língua constitui um excelente exercício... para as outras também não levantará, por certo, qualquer problema e compreenderão tudo o que aqui é explicado.
Acrescento um vídeo que faz uma excelente síntese sobre o Barroco. Está em espanhol, o que para as turmas que aprendem esta língua constitui um excelente exercício... para as outras também não levantará, por certo, qualquer problema e compreenderão tudo o que aqui é explicado.
Por último, deixo-vos um link que vos levará a uma das mais belas igrejas barrocas do mundo: Igreja de S. Francisco, em S. Salvador da Bahia, no Brasil. Clique aqui.
Espero que gostem da viagem...
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